Por Adriano Salvi*
A ética nas empresas costuma ser tratada de forma muito superficial. Em geral, são precisos escândalos como os da Operação Lava Jato para que o assunto mereça destaque. Mesmo assim, estamos diante de uma chance singular de dar um passo além no debate de como as empresas constroem e protegem valor. Afinal, os motivos errados também nos fazem falar sobre as coisas certas.
Cada vez haverá menos espaço para empresas que não respeitam genuína e equilibradamente os interesses dos seus sócios, empregados, clientes, fornecedores e comunidade. Não deveria surpreender que uma empresa por décadas campeã de reclamações de consumidores agora enfrente um processo de recuperação judicial. Ou empreiteiras que há muito cultivavam relações promíscuas com o poder público se vejam em grandes dificuldades financeiras, com seus dirigentes envolvidos em questões criminais.
Tratar de ética nas organizações deve ir muito além da criação de regras de compliance que, em tempos de crise, costumam ganhar boa notoriedade. Para entender a diferença entre ética e compliance, pergunte a alguém por que parar no sinal vermelho. Se ele responder “para não ser multado”, eis uma conduta pautada pelo compliance. Entretanto, se a resposta for “por medida de segurança”, teremos um perfeito exemplo de consciência ética.
Regras escritas e um sistema de punições eficaz contribuem para a promoção de condutas íntegras, porém, sozinhas são incapazes de assegurar comportamentos éticos permanentemente. A geração de valor pelas empresas está relacionada primariamente ao papel desempenhado pelo negócio na sociedade. Nesse sentido, a cultura organizacional é fundamental no sucesso de longo prazo.
Uma cultura saudável gera valor e, portanto, deve ser tratada continuamente. Em tempos de stress, uma cultura forte prevalece e ajuda a mitigar os impactos da tormenta. Por outro lado, empresas com uma cultura que não priorize o comportamento ético costumam ter suas fragilidades exacerbadas em tempos de crise. O tom da ética, assim como o da cultura, deve vir da alta administração. Lideranças eticamente silenciosas não podem ser toleradas. A disseminação de uma cultura ética depende fundamentalmente do exemplo da alta administração, em especial, do principal executivo.
Pesquisa sobre a situação do compliance nas organizações mundo afora, que é feita anualmente pela PwC, em 2016 ouviu mais de 800 altos executivos e aponta avanços nessa questão, uma vez que 98% responderam que em suas empresas a alta administração está envolvida nas questões de compliance e ética. Entretanto, apenas 36% admitem que o compliance está integrado ou exerce um papel-chave no planejamento estratégico. E somente 16% reconhecem que os empregados enxergam o principal executivo como o “campeão” de compliance e ética em suas organizações.
A Lei Anticorrupção fala em programas de integridade e, assim, grande parte das empresas os tem adotado na expectativa de se precaverem de responsabilidade em eventuais malfeitos. Infelizmente, a tônica nas diretorias e nos conselhos de Administração tem sido a de meramente assegurar a existência e o funcionamento de sistemas formais de compliance. Porém, a diferença está realmente na cultura organizacional, está no “querer” ser ético, porque essa é a conduta correta, porque é esse comportamento, adotado continuamente, que gera valor para a empresa.
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*Adriano Salvi é especialista em
governança corporativa e conselheiro
de Administração certificado pelo IBGC