ABRH Brasil

Por Claudio Garcia*

Apesar de muitas recentes versões apocalípticas sobre a eliminação de postos de trabalho por robôs, softwares e inteligência artificial, a maioria dos cientistas e economistas está concordando que, ao contrário, existirá muito trabalho no futuro.

Avanços tecnológicos sempre eliminaram posições de trabalho ao longo da história. Acredito que poucos de nós conheceram, por exemplo, profissionais acendedores de lâmpadas de gás, que eram numerosos até meados do século passado e desapareceram com a chegada da energia elétrica. Mas novas profissões foram criadas para se instalar e manter funcionando a infraestrutura das redes elétricas em cidades, casas, indústrias, etc.

Trazendo para a realidade de hoje, é fácil observar a quantidade de novas profissões que ou não existiam ou eram praticamente invisíveis até pouco tempo, como cientistas de dados, motoristas de Uber, gerente de mídias sociais, desenvolvedores de aplicativos e moderadores de conteúdo, estes intensamente procurados pelas empresas de mídias sociais com a explosão no compartilhamento de fake news.

Não é o fim do mundo como disseram

Por outro lado, outras profissões que existem hoje não necessariamente vão desaparecer. Algumas deverão até crescer, alimentadas por outras tendências. Um bom exemplo são as associadas à longevidade (já que as pessoas estão vivendo mais) como cuidadores, médicos, enfermeiros e outras, que estão entre as profissões que mais crescerão nos próximos 20 anos. Muito mais que, por exemplo, programadores de software.

Portanto, não é o fim do mundo como disseram. Supondo que os governos gerenciem adequadamente suas economias, irá existir sim muito trabalho. E seria para todos, caso não existissem limitações para que as pessoas aprendessem novas habilidades. O que isso quer dizer é que, porque existe muito trabalho, não significa que será fácil para todos.

Existem sim, muitas atividades sendo automatizadas a um ritmo acelerado e, apesar de existirem muitas que não serão eliminadas, elas se transformarão significativamente com as novas tecnologias. Esse processo tem o potencial de gerar muito desemprego, inclusive estrutural, o que já é motivo suficiente para estar no radar de atenção de todos.

O dilema é ainda mais delicado já que, por mais que saibamos o que está interferindo na transformação das profissões, é difícil projetar exatamente como será cada uma delas. Ou seja, mesmo as profissões que não desaparecerão, como a de um enfermeiro, não sabemos exatamente como será a sua rotina de trabalho em dez anos, quando inteligência artificial, microssensores e a biotecnologia transformarem o monitoramento e o cuidado com os pacientes.

Posições que requerem altos níveis de interação social estão crescendo

O processo, portanto, é muito mais emergente do que o que se especula, o que dificulta planejar treinamento para evitar faltas de habilidades no futuro ou, por outro lado, para que indivíduos possam se antecipar e decidir por onde e como construir suas carreiras.

Isso não quer dizer que estamos de mãos atadas: 1) se não podemos antecipar o que será necessário aprender para estar empregado, pelo menos poderíamos nos tornar excelentes aprendizes; 2) de acordo com o Bureau of Economic Research, dos Estados Unido, posições que requerem altos níveis de interação social, que demandam as chamadas soft skills (capacidades bem humanas como saber liderar, trabalhar em equipe, vender, convencer pessoas, ensinar, etc., e que, portanto, não são passíveis de automação), estão crescendo mais que as posições que requerem baixo índice de interação social.

Ambas as capacidades, a de aprender e as soft skills, não estão nem incorporadas nos modelos de educação predominantes para nossas crianças e jovens, como também não são a prioridade nos investimentos de organizações em treinamento e desenvolvimento, já que representam apenas 2% de todo o investimento nessa área em organizações ao redor do mundo.

Como essas duas áreas são, digamos, bastante subjetivas, organizações e governos tendem a investir em treinamentos de atividades mais concretas, visíveis, associadas às tarefas requeridas naquele momento pelo mercado. Como essas estão cada vez mais voláteis, se tornará caro e insustentável seguir nesse caminho, formando pessoas para um curto prazo enquanto elas continuam com deficiências estruturais que as tornam ineficientes no longo prazo. Enfim, tentando resolver os problemas de curto prazo, acabamos tornando ainda mais difícil o que já promete ser um belo desafio.

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*Claudio Garcia é vice-presidente executivo de Estratégia e Desenvolvimento Corporativo da consultoria LHH, baseado em Nova York