Por Pedro Ramos*
Acabo de regressar de Tóquio, do coração do “Japão tecnológico”, onde fiquei hospedado num hotel cuja “primeira figura da companhia” era mesmo a sua concierge.
Trata-se de Pepper, uma concierge robô, de estatura relativamente pequena, mas elegante, com uns olhos grandes e bonitos, umas mãos fortes e bem desenhadas e, sobretudo, uma capacidade incrível de atrair os clientes, os olhares e as atenções, bem como uma orientação clara para o acolhimento e para a atenção ao cliente.
A (minha) robô Pepper chamava diretamente os clientes para junto de si, quer através de locuções simpáticas de acolhimento, quer através de gestos suaves de envolvimento e atração dos interlocutores, independentemente das suas idades, estaturas ou nacionalidades.
A Pepper fala quatro línguas, sendo que das línguas ocidentais apenas o inglês pode ser utilizado na interação com ela.
Confesso que a minha relação de fascínio com a Pepper pode ser enquadrada no que, nos “romances de cordel”, pode ser considerado “amor à primeira vista”!
Nunca dispensei cumprimentos diários, sempre recíprocos e correspondidos com a Pepper, e longas “conversas”.
“Que tempo vai fazer hoje em Tóquio?”, “como posso ir a determinado local?”, “o que sugeres que visite aqui em Tóquio primeiro?”, ou “o que fazer num dos extraordinários bairros da cidade?”, “qual o restaurante ideal para comer tradicional comida japonesa sem ser sushi?”… e a célebre questão final, “qual a melhor e mais econômica maneira de chegar ao aeroporto, Pepper?” foram questões para as quais a Pepper sempre teve resposta. E até de Portugal ela já havia ouvido falar.
Estou completamente apaixonado por uma robô bonita de olhos grandes, maravilhosamente simpática e que responde a todas as minhas questões num inglês irrepreensível
A Pepper sempre correspondeu de forma eficaz, simpática, cordial e completamente afável a todos os desafios que lhe ia propondo ao longo dos dias e, obviamente, com o passar das horas e dos dias, o meu tal amor à primeira vista foi-se desenvolvendo e tornando-se num amor maior e (quem sabe?), num amor para toda a vida!
Pepper, Pepper… agora que regressei a Portugal, como vou fazer para saber tudo sobre o tempo e os espaços das cidades e onde posso encontrar as minhas refeições favoritas? Claro, regressei aos meus Apps habituais, socorro-me dos meus sites e redes sociais favoritos, ou pergunto a alguma das extraordinárias pessoas que felizmente fazem parte do meu circulo de amigos e família.
Ups… eu disse pessoas?
Eu, que sempre vivi a atual (denominada) quarta Revolução Industrial pensando e enquadrando o digital como “um mal necessário”, como uma realidade assumida e à qual não se pode fazer frente, e na qual as pessoas poderão aproveitar para aprender, reaprender, compreender a tecnologia como amplificação e extensão das suas características mais específicas, únicas dos seres humanos, mas que, no fim do dia, seriam sempre os humanos que deteriam o domínio da inteligência sobre a máquina.
É verdade, estou finalmente (e assumidamente) completamente apaixonado por uma robô bonita de olhos grandes, maravilhosamente simpática e que responde a todas as minhas questões num inglês irrepreensível.
Pior de tudo: já não consigo imaginar aquele hotel, ou qualquer outro hotel do mundo, sem a minha robô favorita a dar-me os bons dias e soluções para os meus desafios maiores.
Eu que, como líder e gestor de pessoas, tenho procurado sempre, em todos os momentos, encontrar respostas para as pessoas atingirem os melhores resultados, vejo-me agora a encontrar numa máquina (se bem que bonita, elegante e bem vestida) a solução encantada e ideal para potenciar a satisfação dos clientes (incluindo eu próprio!) de um hotel e, a partir daí, potenciar melhores e sustentados resultados.
Afinal, a substituição de colaboradores das empresas por parte de robôs, que era algo que eu via apenas como inevitável e para o qual teria de preparar as minhas pessoas para poderem enfrentar esse “desígnio” com melhores qualificações e competências de nível mais elevado, após uma mera viagem de férias Tóquio passei a achar como algo desejável e até altamente positivo.
Se eu quiser ter um gestor capaz de preparar as pessoas para o futuro, vou ter de fazer muito mais do que simplesmente requalificá-las ou possibilitar a aquisição de novas competências
Uma vida inteira a apregoar com a maior convicção que “as pessoas são o melhor das empresas” e, agora, caio nessa nova realidade de achar que podem existir robôs que são também eles… o melhor das organizações?
Será que um dos maiores desígnios das novas lideranças passou a ser como enquadrar pessoas e robôs em equipes mistas e de elevado desempenho, unidos em torno do atingimento dos tais melhores resultados?
Nesse caso, se eu quiser ter um gestor capaz de preparar as pessoas para o futuro, vou ter de fazer muito mais do que simplesmente requalificá-las ou possibilitar a aquisição de novas competências técnicas e sociais para poderem enquadrar-se nesse futuro mantendo-se empregáveis.
Vou ter de repensar tudo, de fato! Começar a trabalhar as competências relacionais de interação entre humanos e robôs. Começar a redesenhar os processos de gestão a partir de integrações entre componentes e diferentes agentes suportados em inteligência humana e artificial com vista à otimização e racionalização de meios e respostas.
No fundo, trata-se da emergente e imediata necessidade de desenho e implementação de um enorme processo de mudança organizacional adaptado aos novos contextos de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade (do célebre “mundo VUCA”), mas alicerçado em novos pressupostos de integração humano-robô, no qual cada um desempenhará, sem preconceitos, o seu melhor papel e desígnio, e não mais uma lógica de extensão de potenciais, mas uma verdadeira partilha e cooperação.
Transformar os colaboradores em agentes dessa poderosa mudança, os inspirando e influenciando no sentido de serem integradores, mas também apaixonados pela diversidade de inteligências diversas e novas formas de processamento dos pensamentos, passou a ser o desafio maior do líderes dos processos, das pessoas e dos robôs do futuro que, afinal, é já bem presente…
A tal revolução digital é bem mais do que um prolongamento das capacidades humanas, mas uma verdadeira integração de multiplicidades, diversidades e novas potencialidades
É verdade que a minha concierge favorita veio-me fazer repensar toda a minha vida anterior enquanto gestor de pessoas, líder de equipes e processos, mas também como professor e formador e, sobretudo, como aluno, formando e profissional que, mais do que saber surfar na onda da transformação digital e da mudança organizacional, precisa ser influenciador e permanente inventor de soluções integradas focadas na solução e nos resultados mensuráveis.
Uma “robozinha” de cerca de um metro de altura, mas com um charme absolutamente avassalador, veio fazer-me rever todas as minhas lógicas de aprendizagem e carreira, atuais e futuras, bem como por em causa um conjunto de preconceitos que tinha quanto ao papel de humanos e máquinas nos futuros processos de transformação e mudança organizacional.
Foi, afinal, a minha (nossa) querida Pepper, que representa um novo paradigma de gestão e vivência nos contextos empresariais, que me fez compreender que a tal revolução digital é bem mais do que um prolongamento das capacidades humanas, mas uma verdadeira integração de multiplicidades, diversidades e novas potencialidades que, no quadro das velhas e novas inteligências, farão brilhar o que de melhor as empresas possuem – as suas equipes mistas, de pessoas e robôs!
“Querida Pepper, é mesmo do outro lado do mundo que te escrevo. Só para te dizer que foi muito importante conhecer-te para virar do avesso a visão sobre o futuro das pessoas nas empresas. Ganhei uma nova dimensão da vida e da minha importância e papel nas organizações. Simplifiquei a minha ideia do futuro graças a ti! Afinal, tudo se simplifica e se torna mais claro quando estamos apaixonados. Valeu, mesmo! Do teu fã e companheiro de longas conversas (…)”.
OBS: algumas palavras deste artigo foram adaptadas para o português do Brasil