Por José Carlos Teixeira Moreira*
Ao longo da minha carreira de mais de 40 anos nas organizações como executivo-diretor e, nos últimos 30 anos, como executivo-consultor, sinto-me seguro ao afirmar que os maiores inimigos das empresas são a predominância da visão financeira e o seu decorrente sistema de gestão.
Em todos os casos que pude constatar, companhias que antes primavam pela preferência dos seus clientes, eram admiradas e protegidas por seus colaboradores e estimulavam seus acionistas, ao se virem tentadas a colocar o resultado financeiro como principal meta mergulharam num profundo abismo.
Tornaram-se presas fáceis do pensamento financeiro imediato, regado à ética da desconfiança, o que fez empobrecer o espírito de servir de seus funcionários e fornecedores, e levou à deterioração, rápida, do valor percebido da organização no foco de seus clientes.
Em todos esses casos, quem pagou a conta foram os incautos acionistas, iludidos pelo canto da sereia de que a rentabilidade só aconteceria se houvesse uma forte redução de custos, mesmo que isso levasse a um empobrecimento das ofertas e dos serviços aos clientes e ao enxugamento do quadro de talentos.
A visão financeira, quando predomina, se nutre da desconfiança.
Essa doença começou a se propagar com mais força a partir de 2008 e, depois, ganhou a força do ebola nas organizações mais incautas, alicerçadas na predominância da visão financeira somada à gestão pela desconfiança.
Tornou-se quase uma epidemia no meio daquelas que se deixaram enfraquecer por não revitalizarem os propósitos originais e por não construírem blindagens contra o lucro baseado em perdas de futuro. Ficaram à mercê de gestores de ocasião, mais voltados a resultados-bônus de curto prazo do que para aquilo que irá assegurar a perenidade do empreendimento.
A visão financeira, quando predomina, se nutre da desconfiança. Como, nesses casos, o dinheiro é o que interessa em primeiro lugar, abre-se um enorme espaço para que a mesquinharia tome o lugar do senso de austeridade. A compulsão pelo controle passa a ser parte da cultura, uma vez que o dinheiro torna-se o bem mais valioso.
Um dos efeitos mais danosos disso é a proliferação de procedimentos burocráticos e de indicadores que engessam a empresa e afastam qualquer esforço pelo novo.
Há evidências de que essa obsessão por controle como forma de lidar com a desconfiança, e disfarçada de eficiência operacional, acarreta um gasto de mais de 30% acima do custo razoável para que tudo funcione de maneira mais simples e no tempo certo.
Por outro lado, a antessala da corrupção é o excesso de controle. As empresas infeccionadas pela visão financeira são as recordistas de malfeitos internos e externos, como tem se visto no Brasil nos últimos anos.
A confiança é condição para uma empresa criar vínculos duradouros.
No âmago de tudo isso está a chamada ética da desconfiança. O funcionário não confia na postura da empresa, o cliente desconfia do que a empresa propõe, daí compra com base no preço, e o acionista acha que pode estar havendo desvios.
Premidas pela queda geral do movimento econômico, as empresas elegem o dinheiro aqui-e-agora como sua tábua de salvação, prejudicando o valor percebido no foco dos clientes e o gesto de servir. Nesse círculo vicioso, enfraquecem o que tinham de admirável e perdem credibilidade aos olhos daqueles que deveriam financiar o seu futuro: seus clientes.
DAQUI EM DIANTE É MELHOR DAR UMA MELHORADA
A confiança, por sua vez, é o elemento catalisador que permite criar relações significativas e perenes com fornecedores, colaboradores e clientes. Quando a confiança prevalece, é possível construir pontes que permitirão superar a competição predatória e a ganância, e que permitirão obter resultados superiores. A confiança é condição para uma empresa criar vínculos duradouros que irão garantir sua sustentabilidade.
A empresa precisa deixar claro qual é a sua razão de ser e de que maneira atua em prol de seus clientes e demais stakeholder
A confiança, no mundo nos negócios, se apoia em três outros pilares:
- Pessoas comprometidas com uma causa que as promove como ser humano trabalham pela crença e não por tarefas quaisquer.
- A credibilidade é o nome do jogo: internamente e externamente à empresa.
- A essência de uma empresa é a relação significativa que constrói com todos os que a ela afetam ou são por ela afetados.
São as pessoas que constroem a reputação das instituições. E o compromisso das pessoas com uma ideia, uma atividade ou uma empresa só é exercido se elas acreditarem no bem potencial destas para a sociedade.
Quando a empresa tem uma razão de ser útil e valiosa para construção de uma sociedade melhor, consegue o engajamento natural das pessoas de bem. Para isso, além de ser transparente na conduta, a empresa precisa deixar claro qual é a sua razão de ser e de que maneira atua em prol de seus clientes e demais stakeholders. Só assim os colaboradores saberão como se comprometer com a marca para obter os resultados melhores para todos.
Uma medida saneadora para aqueles que decidem revolucionar a sua organização, retomando as rédeas do valor percebido a partir de um ambiente de colaboração entre todos, será mapear e identificar todos os nós nos processos internos que exalam desconfiança por terem se originado de controles absurdos.
Para deflagrar um movimento pela confiança que mudará radicalmente a companhia infectada pela visão financeira imediatista, comece por você mesmo. Limpe a sua área dessa praga; higienize os seus procedimentos e dê o testemunho de confiança a cada passo do seu dia a dia de gestor. O seu ouvir e a sua fala serão sementes férteis que florescerão para sempre no coração e na mente dessas pessoas.
Qual seria a resposta daquele conhecido empresário, fincado em dinheiro, se o jovem sonhador o tivesse retrucado com outra pergunta: “O senhor quer que a sua empresa ganhe confiança ou ganhe dinheiro?”
Talvez, diante da cara de desalento do cidadão, o jovem poderia completar: “Os dois, meu senhor. Primeiro a confiança e, em segundo lugar, como reconhecimento, o dinheiro”.