Chefe da área jurídica para o Brasil, Vanessa Vilar ingressou há 17 anos na Unilever e sua trajetória, que começou como estagiária, acompanha a evolução da empresa na inclusão de mulheres na liderança na última década. Na semana passada, a Unilever anunciou que conquistou a equidade de gênero nos cargos de liderança. O que também significa que entre 14 mil gestores, do total de 155 mil funcionários no mundo, metade é mulher.
Em 2010, elas formavam 38% da força de trabalho no nível gerencial para cima (40% no Brasil), mas existia um desequilíbrio maior em áreas consideradas masculinas, como operações e supply chain. Corrigir essa distorção foi uma missão dada pelo ex-CEO Paul Polman há dez anos e colocada em prática por meio de comitês da alta liderança, envolvendo negócios e RH.
“Eles enxergaram lá atrás que aumentar o número de mulheres líderes não era só bom por discurso. Iria trazer retorno para os negócios, porque quem decide a compra de seus produtos, nos lares, é a mulher”, analisa Maria Fernanda Teixeira, CEO da Integrow, empresa de inteligência na área de ética e gestão de riscos corporativos. Na última década, a companhia formulou políticas que envolvem licença maternidade e paternidade estendida (creche e berçário no escritório), horários flexíveis de trabalho, home office, cargos compartilhados e semana curta.
No recrutamento, houve a exigência de incluir mulheres na lista final de candidatos a uma posição, segundo Luciana Paganato, VP de RH da Unilever no Brasil e há 15 anos na companhia. No país, que atingiu a meta de 50% há dois anos, as políticas de igualdade envolveram, inclusive, o uso de cotas para contratação. “Houve muita discussão internaquando implementamos um número mínimo de mulheres para algumas áreas, com pessoas dizendo que não era meritocrático”, afirma Luciana.
“Mas quando tivemos resultados positivos para o negócio, decorrente da diversidade de pensamentos, mostramos que aquele era um possível caminho”. Atualmente, o RH mantém as cotas em algumas áreas nas quais o desequilíbrio persiste. No pequeno rol de empresas com igualdade de gênero na liderança no Brasil está a Diageo. Globalmente, 50% do conselho diretor da empresa e 40% do comitê executivo é formado por mulheres. No escritório em São Paulo, com 350 funcionários, as mulheres ocupam 40% dos cargos executivos e, na vice-presidência, já são 50%.
Além da licença parental (seis meses para homens e para as mulheres), o que pesou para o RH foi a contratação de mulheres em áreas nas quais havia o costume de ver apenas homens transitando, como em certas funções da fábrica. O que ajudou, de certa forma, a criar referência feminina para atrair outras mulheres. Foi o que fez também a Kimberly Clark, que possui atualmente no Brasil 43% de mulheres na liderança. Segundo a companhia, um dos grandes esforços para aumentar a promoção feminina interna foi garantir a contratação de mais mulheres nas áreas de vendas e operações.
Já na PepsiCo, segundo Glaucia Nogueira, diretora de RH, o investimento foi na estruturação de um plano de carreira “sólido e transparente” com relação à linha sucessória – para que mulheres tivessem “reais oportunidades de ascensão profissional”. Hoje, a empresa possui 44% de mulheres na liderança na operação brasileira, o que representa 201 profissionais. A meta é alcançar 50% em 2025.
“Outra iniciativa envolve a discussão, entre os próprios funcionários, a respeito de representatividade e dos caminhos que precisam ser abertos para as mulheres ascenderem”, diz Glaucia. Ter esse espaço de discussão, aliado a treinamentos e mentorias, é fundamental, avalia Vanessa, da Unilever. “Não tem fórmula, nem receita mágica. Eu passei por treinamentos, coaching, mentoring e, desde 2014, me reunia com grupos de mulheres para descobrir como podíamos quebrar alguns tetos de vidro”.
Um deles, afirma Vanessa, é a própria percepção das executivas de que não estão preparadas para assumir um cargo alto. Outro, envolve vieses inconscientes e estereótipos. “Recentemente, enviei uma pessoa do meu time para trabalhar em outro país em um projeto global e depois ensinar a experiência para o time. É natural nessa hora, por achar que teoricamente é mais fácil, pensar em um funcionário homem e solteiro. Mas neste caso, mandei uma mulher, com filho pequeno, que ficou vários meses aprendendo sobre direito digital”,diz.
A despeito de eliminar vieses, implementar políticas que facilitam a mulher conciliar maternidade e carreira, os desafios envolvendo liderança feminina persistem. Na Unilever, segundo Luciana, do RH, há algumas áreas que ainda são mais masculinas, como engenharia e, de modo geral, há poucas diversidade entre as próprias mulheres líderes.
“A inclusão racial é pequena. Do total de 40% de profissionais declarados pardos ou negras, apenas 6% estão em cargos gerenciais”, diz. Na PepsiCo, a estratégia de inclusão de mulheres negras é atrair na base e treinar no médio e longo prazo. Monitorar números, para garantir que os bons resultados continuem, e manter a continuidade das políticas é fundamental para que a promoção feminina não seja passageira, segundo Luciana.
É importante também, defende Maria Fernanda Teixeira, para que elas cheguem, mas também permaneçam no topo. “Conheço cinco executivas brasileiras, a maioria de RH, que foi substituída recentemente por homens”.
*Matéria publicada no Valor Econômico