Por Carolina Nalin – O Globo · 23 jun 2023
Cortes de pessoal por WhatsApp ou videoconferência em grupo se tornam rotina em empresas de tecnologia. Especialistas criticam desumanização
Prestes a completar um ano de trabalho em uma empresa de tecnologia, Bianca (nome fictício) foi surpreendida com um aviso de demissão nada convencional. Na véspera do feriado, recebeu um convite na agenda para uma videochamada para um “comunicado da companhia”. Tratava-se de reunião virtual com duração média de cinco minutos, em salas com cinco a dez funcionários cada, para comunicar o corte de pessoal.
Bianca pensou que era um comunicado geral, mas começou a receber mensagens de WhatsApp de colegas dizendo se tratar de demissão.
— Meus colegas sugeriram que tentasse acessar ferramentas de trabalho. Uma delas estava ativa porque demoraram a me desconectar. Entrei em contato com a minha superior, mas ela não me respondeu. Quando tentei logar de volta, não tinha mais acesso a nada. Já não conseguia falar com ninguém pelo e-mail da empresa — conta Bianca, que trabalhava no Nubank.
A demissão por videochamada em grupo não é mais caso isolado. Tem sido feita em empresas de tecnologia de diferentes países. A modalidade self-checkout, em que o próprio funcionário se desliga da empresa sem receber telefonema ou reunião, já é considerada praxe em empresas como a Meta, dona do Facebook, segundo a coluna Capital.
Segundo dados da plataforma LayOffs Brasil, compilados pelo GLOBO, ao menos 106 empresas fizeram desligamentos até 9 de junho, com 8 mil demissões. Na lista, constam Trybe, Hurb, ByteDance, Meta, Nubank, NetNinjas e Ame Digital.
‘Não somos robôs’
No LinkedIn, são frequentes os depoimentos de trabalhadores dispensados em cortes de pessoal, que questionam a abordagem desumanizada e a falta de feedback na hora da demissão. Um deles contou que deveria participar de uma reunião virtual sobre performance, com previsão de 1h30, mas foi mandado embora em menos de 3 minutos, com acessos desconectados, sem poder se despedir da equipe.
— É inaceitável, desrespeitoso. É como se um profissional fosse descartável, mas não somos robôs. Isso vai trazer consequências enormes para a reputação e atração de bons profissionais no futuro para as empresas — avalia Sofia Esteves, criadora da Cia de Talentos e especialista em RH.
Sofia ressalta que é preciso levar em conta o dano de imagem em relação ao público e o impacto que a medida tem sobre funcionários que permanecem na companhia.
Eliane Ramos, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Minagas Gerais (ABRH-MG), avalia que demissões feitas por videoconferência ou por e-mail e até WhatsApp, sobretudo de forma coletiva, carecem de conexão:
— O ideal seriam reuniões presenciais. Se não for possível, que seja on-line, mas de forma individualizada. A primeira etapa é capacitar os líderes para essa demissão. E, quem tiver conduzido o desligamento, deve ouvir o que o colaborador tem a dizer, dar feedbacks, mencionar as conexões que o funcionário fez e orientá-lo, incluindo medidas como a extensão de auxílio médico e o apoio que a empresa possa dar para recolocação.
No âmbito jurídico, Jorge Matsumoto, sócio da área trabalhista do Bichara Advogados, esclarece que no Brasil não há regulamentação específica que trate exclusivamente das formas de comunicação e notificação para desligamentos no setor de tecnologia.
Mas diz que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem se mostrado mais flexível em relação aos meios de comunicação usados para notificar funcionários sobre a demissão, considerando válidos os informes por e-mail, desde que sejam adotadas medidas para garantir a ciência efetiva do empregado.
— Existem casos em que a notificação por e-mail pode ser considerada suficiente, especialmente se houver acordo mútuo entre a empresa e o funcionário. No entanto, é recomendável que a comunicação de demissão seja realizada de forma presencial, com a entrega de carta formal e um atestado de recebimento assinado pelo funcionário.
Matsumoto alerta que empresas com abordagem não humanizada nas demissões estão mais sujeitas a riscos e responsabilidades legais, como ações trabalhistas, violação de acordos coletivos, reputação e danos à marca e ações de discriminação e assédio, caso haja indício de que a seleção de demitidos foi baseada em critérios discriminatórios.
Em nota, o Nubank, onde Bianca trabalhava, diz: “em relação a reorganização da área de operações, comunicada em nota pública no dia 7 de junho, o Nubank informa que foram efetuadas reuniões com pequenos grupos, garantindo a efetividade da comunicação uma vez que a instituição atua no modelo híbrido”.
A empresa esclarece que funcionários que não atenderam ao convite da reunião receberam ligações individuais e, quando não encontrados, informações por e-mail, inclusive sobre o pacote de benefícios, que inclui salários adicionais por tempo de casa, extensão temporária do plano de saúde e verba para recolocação no mercado. Em nota, reforça ainda que segue à risca o regime trabalhista brasileiro e a legislação vigente.
Link da matéria original: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/06/clique-neste-linke-seja-demitido-em-5-minutos.ghtml