Por Marisselma Rodrigues Santana*
Hesíodo um poeta grego, que viveu aproximadamente no ano 800 a.C., em sua obra Os Trabalhos e os Dias, descreveu as idades ou as eras do homem em: Raça de Ouro, Raça de Prata, Raça de Bronze, Raça dos Heróis e Raça de Ferro, esta última seria então a “era” que estaríamos vivendo.
Pensei se Hesíodo estivesse vivo hoje, como descreveria as eras. Se ele consideraria a revolução tecnológica como era digital e se ainda levaria em conta as questões de educação, ética, moral e integridade do comportamento humano na vida privada e profissional como a era comportamental.
Estamos presenciando e vivenciando grandes transformações tecnológicas. Muitas dessas ferramentas são utilizadas em nosso dia a dia sem que percebamos o impacto em nossas vidas e muitas outras melhoram nossa performance no trabalho e produtividade.
As organizações investem em sistemas sofisticados para evitar erros, mitigar riscos e evitar fraudes. Num evento do Observatório Social do Brasil, fui apresentada à Rosie, uma robô brasileira, que ataca a corrupção e detecta quando os deputados usam mal o dinheiro público. Uma excelente iniciativa de jovens que buscam mudanças de comportamento na classe política. Parece que a Rosie já descobriu muita coisa.
Essa é uma boa notícia, seguindo a tendência global, o Brasil já tem ferramentas de varredura contra fraudes de agentes públicos. O fato é que a Rosie não muda o comportamento das pessoas; essa mudança depende mesmo de ação humana.
A era comportamental torna esse período inédito da história da humanidade e fundamenta que o comportamento humano é o fator mais importante do sucesso de uma empresa, ou seja, a forma de tratamento às pessoas, ao meio ambiente, a uma produção sustentável e o respeito às leis são grandes diferenciais nos negócios.
Ocorre que, num piscar de olhos, as organizações podem perder toda a sua reputação construída durante anos por conta do comportamento ilegal ou inadequado de seus executivos e de seus colaboradores. As consequências podem ser drásticas: desde a perda de valores de suas ações, de clientes e de crédito; processos judiciais; e até prisões.
A era comportamental pode ser definida como era de compliance ou de integridade. Isso significa que, ainda que sejamos tecnologicamente futurísticos, a educação, a ética e a moral são princípios e valores que trazemos em nosso caráter, que pode claro, ser influenciado por fatores externos. O importante aqui é que, para a construção de sociedades melhores e organizadas, precisaremos de indivíduos preparados, dispostos a tomar as medidas necessárias para diminuição drástica da corrupção, que é gênero de crimes de várias espécies de organizações criminosas e interligadas, como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Esse mundo paralelo acarreta desigualdade, que, consequentemente, marginaliza as classes mais carentes, tornando-as miseráveis e sem condições de subsistência; drena recursos que deveriam ser utilizados na educação, saúde e infraestrutura dentre outros; a erradicação da corrupção é utópica, mas o combate a ela é cada vez mais necessário, a importância é tamanha que se tornou pauta de uma agenda internacional.
Em razão dessa agenda, muito se fala dos pilares de um programa de compliance de sucesso nas organizações, cuja pedra fundamental é o comprometimento da alta direção e na sequência: políticas e procedimentos estabelecidos, código de conduta e ética nos negócios, plano de comunicação, treinamento, canal de denúncias, monitoramento, avaliação, melhoria contínua e correções.
Pensando sobre isso, concluí que o primeiro programa de compliance que tomei conhecimento foi em casa: meus pais (alta direção), me educaram e me estabeleceram regras (obediência às leis e procedimentos), recebi treinamento (plano de comunicação em casa primeiramente). Ganhei irmãos e fui instruída sobre como tratá-los em caso de conflitos (código de conduta) e levada à escola, onde fui ensinada sobre outros temas importantes da vida (colaboradores da alta direção).
Na escola, tomei conhecimento do primeiro canal de denúncia (se fizéssemos algo errado, a professora escreveria bilhetes aos pais); acreditem que até acareação conheci na escola? Sim, eu estava na 5ª série e os professores revolveram fazer uma reunião de pais e mestres com os alunos. Os pais sentados nas carteiras e nós em pé, ao lado deles. Imaginem a cena? Para nós foi inesquecível (isso é monitoramento); após essas reuniões, aplicavam-se os corretivos (melhoria contínua).
A visão é simplista, reconheço, mas vale a reflexão. A verdade é que podemos fazer um programa de integridade e melhoria contínua em vários aspectos da nossa vida, obviamente isso se refletirá em nosso trabalho.
O Brasil tem um longo caminho a percorrer no combate à corrupção. Alavancando as mudanças, tivemos a promulgação da lei anticorrupção, conhecida como LAC 12846/13, já regulamentada em alguns estados e até municípios.
Algumas ações, ainda que isoladas, estão sendo tomadas para a implementação de políticas e programas de compliance. Recentemente, o estado do Rio de Janeiro promulgou a lei 7753/2017, que torna obrigatório o programa de compliance em contratação pública; o Banco Central emitiu a Resolução 4.595/2017, que dispõe sobre a política de compliance nas instituições financeiras e outras instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN. Todas essas providências são extremamente importantes para a mudança comportamental necessária no mundo dos negócios internacionais. Se o Brasil quiser participar e se tornar mais competitivo, precisa mudar de dentro para fora, mostrar para o cliente externo que fazemos bem feito também internamente.
Existe uma demanda gigantesca de trabalho em nosso país, que sabemos de proporções continentais, as ferramentas e metodologias disponíveis, a inteligência artificial (IA) em nosso favor são contribuições inimagináveis anos atrás. De fato, precisamos descomplicar as coisas, inovar, criar oportunidades, fazer negócios transparentes e prosperar.
O que precisa ficar claro é que integridade pode e deve ser cultivada sempre, ao longo de nossa carreira e de toda nossa vida, porque o comportamento humano é quem dita as normas para as máquinas. Nós somos responsáveis em formar a sociedade e dizer para as pessoas o que somos, o que queremos, o que e como vamos fazer as coisas daqui para frente!