Por Eduardo Barbieri*
Se perguntarmos, 11 entre 10 gestores dirão que em sua empresa há meritocracia. A palavra meritocracia é sexy e é possível entender o porquê: ela resume a ideia de que se deve reconhecer e recompensar alguém por alcançar um resultado. Então, por conta disso, em um ambiente de trabalho no qual há meritocracia, supostamente deve haver clareza de resultados a serem alcançados e justiça sobre o reconhecimento quando alguém alcança esses resultados, correto?
As regras são claras, há recompensa financeira sobre atingimento de resultados, quem alcança mais resultados é mais reconhecido e recompensado, e assim por diante. Não há espaço para “amigos do rei”. Não há espaço para “gatos gordos”… ou pelo menos esses não são recompensados, porque não alcançam metas. Isso parece culminar em uma cultura saudável, clara, simples e orientada a resultados.
Meritocracia deve ser o resultado de uma cultura organizacional saudável e não o modelo cultural
Então, o que pode dar errado? Tudo. Quando a meritocracia é usada como um meio e não como um fim. Em outras palavras, ela deve ser o resultado de uma cultura organizacional saudável e não o modelo cultural. Qual a diferença?
De um lado, temos a empresa A, que usa a meritocracia como um meio. Essa empresa tem metas claras e agressivas, desde metas comerciais, buscando aumento da receita, como metas de redução de custos e de ganhos de market share sobre a concorrência. Há pouca margem para erros (trocadilho não intencional) e os líderes da empresa sabem disso. Então, esses gestores imprimem em suas equipes um ritmo de trabalho duro, comunicam o objetivo, as metas, os resultados às suas equipes e todos começam a trabalhar.
Nesse momento, coisas interessantes acontecem: profissionais começam a trabalhar além das 8 horas por dia, porque associam a ideia de que a quantidade de horas trabalhadas está diretamente relacionada a mais resultado; passa a haver bullying com colaboradores que não estão “dando duro” porque passam “apenas” 8 horas no escritório; disputas de poder entre áreas; quebra de políticas internas com o objetivo de trazer resultados, tudo isso sem mensurar os riscos. No fim, a empresa alcança seus resultados e os profissionais que bateram suas metas recebem seus bônus, porém, expondo a organização a diversos riscos trabalhistas, de compliance, fraudes e de negócio.
Do outro lado, temos a empresa B, que usa a meritocracia como um fim. Também com metas claras e agressivas, todas bem mapeadas e definidas. No entanto, a empresa B apresenta valores claros como “trabalho em equipe” e “respeito”, e investe na incorporação desses valores como traços culturais.
Nesse momento, coisas interessantes acontecem: as áreas passam a trabalhar em conjunto tendo em vista as metas a serem alcançadas (seja por metas cruzadas entre áreas, seja entre colaboradores); profissionais não associam a produtividade à quantidade de horas trabalhadas, resultando em cargas horárias alinhadas à demanda de atividades; há busca por simplificação dos processos, sem que haja perda de controle. No fim, a empresa alcança seus resultados e os profissionais que bateram suas metas recebem seus bônus, porém, sem expor a organização a riscos desnecessários.
Nos sentimos empoderados quando realizamos algo importante
Ambas atingem os resultados, ambas reconhecem e remuneram os maiores desempenhos. Mas podemos dizer que a cultura meritocrática que a empresa A está formando a partir de sua liderança para os próximos anos é saudável? Não!
Ocorre que a primeira aplica meritocracia como um meio, em que o nome do jogo é resultado a todo custo. Já a segunda estabelece uma cultura forte de trabalho em equipe e respeito que filtra e transforma esse “resultado a todo custo” em “há um jeito nosso para se buscar resultados”.
Podemos ainda extrapolar esse raciocínio para imaginar que na empresa A deve haver insegurança, o clima organizacional deve ser mais tenso, pior ainda em áreas que não alcançaram as metas, entre outros. Isso tudo deve resultar em problemas de gestão como: maior turnover, mais incidência de doenças por estresse, mais ações trabalhistas, mais dificuldade em reter bons profissionais. E cada um desses problemas exige recursos para tratá-los: mais orçamento com contratações, salários mais altos para atrair profissionais melhores, mais recursos para contencioso trabalhista, e assim por diante.
Enquanto isso, na empresa B, é muito mais fácil definir o Employer Value Proposition atrelado a uma cultura ética e meritocrática, facilitando a gestão de pessoas. Empresas que investem no reforço de valores e traços culturais que tornem claras as regras do jogo e filtrem excessos são capazes de alcançar resultados extraordinários ao mesmo tempo em que melhoram o clima, o engajamento e muitos outros indicadores, inclusive resultados!
E nós? Analisando nosso trabalho hoje, estamos em uma organização meritocrática? Há uma cultura que fortaleça a meritocracia de forma justa, ética, responsável? Como líderes, estamos propagando a meritocracia como um fim ou como um meio? Permitimos excessos ou colaboramos com estes sob a justificativa única de meritocracia e resultado?
A grande verdade é que todos amamos trabalhar por resultados. A busca pela evolução é intrínseca ao ser humano, nos sentimos empoderados quando realizamos algo importante para nós, para nossa família, comunidade ou dentro de nosso trabalho e somos reconhecidos por isso. Mas alcançá-los em um ambiente em que há clareza de valores, uma cultura transparente e compartilhada de ‘como’ se deve buscá-los é muito melhor! Vamos cuidar da cultura, porque no fim, a meritocracia sempre existirá!