ABRH Brasil

Por Cláudio Garcia*

Que profissionais mais capacitados podem gerar vantagens competitivas para empresas está claro. Mas, à medida que muitas das tarefas lineares e objetivas são automatizadas e que o contexto em que atuamos fica mais complexo e ambíguo, se torna cada vez mais difícil dizer o que significa ser competente.

Um motivo está relacionado com a dificuldade de se mensurar habilidades vistas como essenciais nesse contexto. Criatividade, inovação, colaboração, liderança, entre outros, são conceitos bem subjetivos (o que permite muitas variações no que significam para cada um de nós) e situacionais (que podem funcionar em determinadas situações mas não em outras). Ou seja, compreender o que é talento nesse contexto é complexo.

Todos agimos como experts quando avaliamos pessoas e como elas se comportam

Mas existe algo ainda mais desafiador em relação à gestão de talentos em organizações. Poucos se aventurariam a discutir o cálculo estrutural de uma ponte ou o valor de mercado de uma companhia se não forem especialistas nessas áreas. Entretanto, todos agimos como experts quando avaliamos pessoas e como elas se comportam, inferindo julgamentos sobre suas capacidades de liderar, colaborar, criar, entre outras.

Essa realidade se torna mais delicada devido a dois vieses aos quais somos suscetíveis. O primeiro é a tendência de nos acharmos mais competentes do que realmente somos em áreas em que somos ignorantes (conhecido como efeito Dunning-Krueger, devido aos pesquisadores que identificaram o fenômeno, David Dunning e Justin Kruger). E o outro é a tendência de pessoas muito competentes em uma área se avaliarem inferiores ao que elas de fato são (conhecido como síndrome do impostor, já que suas vítimas questionam se são tão capazes quanto de fato são).

Quem toma a decisão acredita mais na própria capacidade do que deveria, enquanto quem poderia realmente decidir está se questionando se não é uma fraude

Não é somente fácil de acreditar, como muitas pesquisas têm provado, chefes incompetentes são mais comuns do que gostaríamos. Esse fato, associado às culturas organizacionais disfuncionais e aos critérios questionáveis para a escolha de líderes, torna fácil entender o tamanho do problema que se cria: quem toma a decisão acredita mais na própria capacidade do que deveria, enquanto quem poderia realmente decidir está se questionando se não é uma fraude.

Aqueles sob o efeito Dunning-Krueger, como não conseguem articular a complexidade da situação com que estão lidando, tendem a simplificá-la para o seu grau de compreensão, ignorando variáveis e conselhos de especialistas. Assim criam riscos e perdas desnecessárias para suas organizações. Por outro lado, a atitude de achar que não é tão bom (associado ao viés da síndrome do impostor), que deveria ser acolhida como uma atitude positiva para reconhecer seus limites, se torna um fator de desmotivação.

Ou seja, a combinação é explosiva para eliminar (ou ocultar) talentos e competência em qualquer organização. Quando existe objetividade em relação a tarefas (como, por exemplo, em processos industriais ou vendas de produtos físicos) indicadores e ferramentas de gestão ajudam a reduzir o efeito desses vieses. Mas, como capacidades mais subjetivas estão se tornando relevantes, aumenta o risco desses vieses predominarem (que o digam os profissionais de RH e marketing). Tudo ainda pode ser potencializado em culturas com muita competição interna, nas quais seus profissionais tendem a amplificar esses comportamentos para obter benefícios pessoais. Isso deixa em risco a tão desejada meritocracia.

Não somos conscientes quando esses vieses atuam e não necessariamente existe má intenção por trás das nossas ações

Importante ressaltar que não somos conscientes quando esses vieses atuam e não necessariamente existe má intenção por trás das nossas ações. São apenas pontos cegos, características que trazemos do nosso processo evolutivo. Estar consciente de que somos vulneráveis a essa realidade é um primeiro passo.

O próximo passo tem se mostrado bem mais desafiador em um ambiente que privilegia o desempenho individual e os extrovertidos superficiais: aceitar que não sabemos de fato tanto assim e que precisamos pedir ajuda. Ou seja, assim como nossos colegas que sabem mais do que nós, pensarmos que somos todos um pouco impostores.

*Claudio Garcia é vice-presidente executivo de Estratégia e Desenvolvimento Corporativo da consultoria LHH, baseado em Nova York/Foto: André Telles

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