Reprodução assistida entra na política de RH de grandes companhias, e alguns tratamentos são até 100% custeados
Por Ana Clara Veloso – Rio de Janeiro 10/08/2023 06h01 Atualizado10/08/2023
familiar de Diego Micheletti e Paulo Barreto, juntos há 18 anos. O filho do casal foi planejado durante a pandemia e é fruto de uma fertilização in vitro, que teve 85% dos custos pagos pela Microsoft , onde Micheletti trabalha.
A big tech americana é uma das empresas em atuação no Brasil que começa a oferecer aos funcionários benefícios relacionados à reprodução assistida, que envolvem procedimentos caros.
— A gente não imaginava ter filhos antes da pandemia. Foi nessa época que repensamos o sentido da vida, vimos que queríamos deixar um legado — conta Micheletti, que é diretor de Vendas na Microsoft.
Ele lembra a surpresa da família ao saber que a empresa facilitaria a realização desse sonho:
— Não acreditei. Ainda mais porque a comunicação foi em um combo, pois eu também teria uma licença de seis meses após o nascimento do meu filho. Tem sido uma experiência maravilhosa, que mudou nossa vida.
As empresas trouxeram a oferecer no Brasil benefícios que auxiliaram no planejamento familiar de trabalhadores há cerca de cinco anos. De acordo com Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), eles ainda não são uma tendência, mas exemplos de mudança de mentalidade no mercado, que não vê mais a vida pessoal de funcionários como uma “pedra no caminho”:
— É mais que um benefício: é uma proposta de procurar adequada a realização pessoal de uma família com um projeto de carreira.
Atualmente, no país, o congelamento de óvulos custa R$ 24 mil, em média, segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. Mas há ainda um custo anual de manutenção, que fica entre R$ 1 mil e R$ 2 mil. A fertilização in vitro custa entre R$ 15 mil a R$ 20 mil, sem incluir medicamentos.
Estratégia de retenção
Empresas no Brasil chegam a pagar 100% dos procedimentos. Mas, no caso de congelamento de óvulos, a taxa de manutenção fica na carga da funcionária. A ajuda financeira pode ser via cobertura do plano de saúde, ou que dá mais autonomia e privacidade ao funcionário, ou por uma política de reembolso, para o que é preciso acionar o RH ou a área médica da empresa. Mesmo assim, a confidencialidade no processo é prometida.
Mônica Rosenburg, gerente de Benefícios do Mercado Livre no Brasil, diz que a empresa foi pioneira nessa política no país, lançando o benefício de preservação de óvulos, voltado apenas para suas colaboradoras e com requisitos de idade mínima de 33 anos e um ano de empresa . Desde 2019, cerca de 20 mulheres já foram beneficiadas pelos reembolsos, que chegam a 75% do custo do procedimento.
Na PepsiCo , em um ano, 63 famílias já obtiveram o programa da empresa, chamado de Minha Hora, sugerido por um grupo de camadas internas que discutem a pauta de gênero na empresa. O reembolso anual pode chegar a R$ 25 mil para que funcionários e seus companheiros acessem tratamentos como fertilização in vitro, inseminação artificial e congelamento de óvulos.
A Meta , dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, tem iniciativa semelhante para tratamentos de preservação da fertilidade e de fertilização in vitro, mas não informou o percentual de custeio. O benefício é oferecido a funcionários e seus parceiros por meio de uma rede de clínicas.
A Microsoft ampliou seu plano de saúde para conceder acesso a procedimentos de reprodução assistida, em agosto de 2022. O custeio pode ser integral, mas Micheletti e Barreto escolheram fazer um exame de DNA do embrião, o que não fez parte da cobertura.
A política faz parte de mais uma estratégia das empresas para elevar a satisfação interna e a retenção de talentos.
— Procuramos sempre entender individualidades para oferecer algo que realmente auxilie pessoal e profissionalmente. Isso se reflete na produtividade, engajamento e outros aspectos positivos do relacionamento com os funcionários e que nos impulsionam como negócio — diz Leticia Dias, diretora de Benefícios na PepsiCo Brasil.
Coordenadora de Análises Clínicas do Grupo Fleury, empresa de saúde que atua no congelamento de óvulos e na fertilização in vitro, Mara Elisa Lemo congelou seus óvulos aos 38 anos. Solteira e sem rede de apoio em São Paulo, já que os pais não moram na cidade, ela ainda não considerava o momento ideal para realizar o sonho de ser mãe. Mas, com a idade, quando a empresa começou a oferecer até 35% de desconto para seus colaboradores fazerem o procedimento, ela tirou do próprio bolso cerca de R$ 15 mil. — Hoje, tenho 40 anos e sei que tenho a idade preservada dos óvulos. Foi uma busca por tranquilidade num momento de incertezas — diz Mara Elisa
Sem restrição
Ela ainda não sabe se e como os óvulos serão usados no futuro. Mas não descarte a possibilidade de fazer uma fertilização in vitro. Por isso, esse outro benefício também oferecido pela empresa valoriza seu posto de trabalho:
— Não é nenhuma empresa que dá apoio na área de fertilidade. Hoje, já fiz uma etapa (rumo à maternidade), mas nada impede de fazer outro processo.
Após a pandemia, a quantidade de mulheres que congelaram seus óvulos aumentou 70% em todas as clínicas de reprodução assistida no Brasil, segundo Álvaro Pigatto Ceschin, presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida. A entidade estima que, em 2023, pouco mais de 11.500 mulheres irão congelar seus óvulos. O número é considerado baixo.
— Atualmente, cerca de 12 milhões de mulheres com idade fértil e sem filhos estariam aptas ao procedimento — diz Ceschin, para quem o benefício de custeio parcial ou integral pode alavancar esse mercado.— Ter o incentivo às empresas é essencial, e isso faz com que que mais instituições parem para olhar para seus colaboradores que precisam e se interessam por tratamentos de reprodução assistida.
No Bank of America , 45 funcionários (7% do quadro) já se consultaram ou utilizam benefícios relacionados à inseminação artificial, fertilização in vitro, armazenamento de embriões e congelamento de óvulos. São 21 casos de óvulos congelados por funcionários ou companheiras, todos totalmente bancados pelo banco.
— Antes, os funcionários se sentiram inseguros para falar que precisariam faltar ao trabalho para fazer um desses procedimentos. Quando uma empresa oferece o benefício, é criado um ambiente confortável para falar sobre isso — afirma Silvia Wulkan, responsável pelo RH do banco americano na América Latina. — Colaboradores realizando um grupo de apoio.