ABRH Brasil

Por Cássio Pantaleoni*

O que promove a disposição das pessoas para adotar o esforço mínimo no desenvolvimento de suas atividades profissionais? O que fazem os gestores que as encaminham para esse comportamento de lidar com suas responsabilidades diárias de modo tão negligente?

Em 2005, um amigo recomendou-me a leitura de um livro muito interessante sobre identidade corporativa, escrito por Laurence Ackerman. Em A identidade é o destino: A liderança e as raízes da criação de valor, Ackerman apresenta-nos, de modo figurativo, como as empresas deveriam construir sua identidade de negócio.

No entanto, rapidamente compreendi que esse conjunto abrangente de leis também serve ao propósito de explicar como se estabelecem os valores e as crenças que fundamentam o modo como nos comportamos no ambiente de trabalho e, ainda, como contribuem para a nossa percepção de nossos méritos profissionais. Vejamos:

I – A Lei do Ser – Eu estou vivo

II – A Lei da Individualidade – Sou único

III – A Lei da Consistência – Sou o que sou mesmo quando estou crescendo e evoluindo

IV – A Lei do Livre Arbítrio – Para viver verdadeiramente, preciso ser capaz de me expressar

V – A Lei da Possibilidade – Tenho muito a oferecer

VI – A Lei do Relacionamento – Eu preciso dos outros e sou mais eficaz quando estou trabalhando com pessoas que também precisam de mim

VII – A Lei do Reconhecimento – Devo ser valorizado pelo que sou

VIII – A Lei da Reciprocidade – Oferecerei de acordo com o que me é oferecido

Se as considerarmos com cuidado, é possível inferir como nossas capacidades individuais (habilidades, competências, aptidões) são interpretadas e percebidas por nós e pelos outros. Tais percepções e interpretações diferem entre as partes desse binômio eu-outro.

Mesmo que, de maneira formal, utilizemos as leis de Ackerman como critérios de juízo de nossas capacidades, ainda assim, o outro pode não interpretar nossas capacidades do mesmo modo que as interpretamos, ou seja, nossa esperança de ser compreendidos na medida exata do próprio juízo sobre nossas competências pode não se realizar. Não alcançar nossas esperanças oferece um obstáculo, uma dificuldade indesejada que nos desafia e aumenta a pressão sobre nós.

Isso se torna mais doloroso e intenso quando há uma hierarquia formal envolvida. Nesse caso, as expectativas de uma e outra parte são articuladas dentro de uma circunstância em que está presente uma dissonância comunicacional dada pelos distintos pontos de vista entre gestor e colaborador.

Quando se trata de relacionamentos hierárquicos, a presença de conflitos é comum. Esses conflitos nos levam a eventualmente negociar concessões bilaterais sob A Lei da Reciprocidade (oferecerei de acordo com o que me é oferecido). No entanto, a posição na hierarquia invariavelmente influencia o poder de negociação das partes envolvidas. Quanto mais alta a posição na hierarquia, maior o poder de dar e retirar. Já nos degraus inferiores o poder de barganha é frágil. Consequentemente, o que resulta de negociações entre essas partes é, muitas vezes, entendido como injusto.

Considerando isso, retornemos à questão central proposta: o que fazem os gestores que encaminham seus colaboradores ao ofício de lidar com suas responsabilidades diárias de modo tão negligente?

Frequentemente, os gestores são vistos como entidades coercitivas

Para encaminharmos algum entendimento sobre isso, é preciso concordar que as primeiras cinco leis propostas por Ackerman são, de algum modo, a base que sustenta o self de cada indivíduo: “Eu sou vivo e único; eu sou o que sou mesmo quando cresço e evoluo, e posso expressar-me livremente na vida e a minha contribuição é distinta, pois tenho muito a oferecer”. Ou seja, essas primeiras cinco leis nos permitem razoavelmente crer que somos todos especiais à nossa própria maneira.

Isso sem deixar de levar em conta que se expressar é um imperativo comportamental, ou seja, nós estamos o tempo todo nos expressando de maneira condizente com as crenças que temos sobre nossas capacidades “únicas e distintas”.

Esse imperativo da expressão de si mesmo merece ponderação. Imagine o que acontece em um relacionamento hierárquico no qual uma ou outra parte assuma integralmente a sua liberdade de poder ser e de exigir ser percebido segundo suas próprias convicções sobre os seus méritos.

O que decorre quando uma parte tem mais poder do que a outra parte? Inexoravelmente, aquele que está na parte inferior da hierarquia enfrenta algumas restrições em sua liberdade de ser e expressar esse ser à maneira das cinco leis de Ackerman. Nessa condição, ele não crê que possa se expressar plenamente, e muito provavelmente não se expressaria livremente, temendo desafiar a autoridade ou o poder do gestor.

O filósofo Georg F. Hegel, em sua obra A Fenomenologia do Espírito, oferece um argumento interessante para compreender as dinâmicas em torno das relações hierárquicas.

Hegel afirma que as relações “senhor-escravo” são basicamente uma luta pelo reconhecimento. Aquele que perde a batalha se rende ao vencedor e, em nome da sobrevivência, torna-se o “escravo” do novo “senhor”.

Como “escravo”, ele trabalha para dar ao “senhor” o que ele precisa para ser apreciado como alguém bem-sucedido. Ao fazer isso, no entanto, o “escravo” torna-se consciente de sua importância, pois percebe que seu trabalho muda a realidade e também pode criar uma nova realidade. Criar e mudar a realidade é uma característica do “senhor”, portanto o “escravo” eventualmente se imaginará como “senhor”.

Isso inevitavelmente resulta em comparação: “Por que as minhas criações são menos importantes do que as criações do meu senhor?”. Tal questionamento leva a outro: “Por que não devo ter a oportunidade de fazer o que meu senhor faz?”. A alegoria “senhor-escravo”, oferecida por Hegel, pode encontrar representação naquelas de Ackerman que aludem ao Livre Arbítrio e Possibilidade do seguinte modo: “Eu tenho a liberdade e tenho muito a oferecer ao mundo ao meu redor”.

Frequentemente, os gestores são vistos como entidades coercitivas, que bloqueiam o poder de seus subordinados que tanto querem contribuir. Mas o fato é que o gestor também pode estar vivendo a sua própria circunstância “senhor-escravo”.

Não importa o seu lugar nas organizações, hierarquias sempre influenciam os esforços das pessoas para fazer o que supostamente deve ser feito. Em tal condição, a dificuldade é a falta de compreensão dessa dinâmica comportamental influenciada pelas leis de Ackerman. Líderes e liderados agem e se comportam de acordo com as respostas, percepções e interpretações da outra parte, sempre em linha com aquelas leis.

Não há senhores ou escravos. Há líderes e equipes

Se a compreensão dessas motivações não está presente, é possível que todos sejam levados à mediocridade. Um exemplo clássico é a gestão pelo medo, pela intimidação. Quando gestores optam por ameaças (demissão, perda de responsabilidade, ridicularização, etc.), ninguém supera as expectativas, pois em tal situação os liderados só farão o que não compromete a sua posição ou imagem, ou seja, o esforço mínimo.

Assim, o paradoxo na dinâmica das relações hierárquicas é que a justificativa do gestor para aplicar métodos de controle (coerção, ameaças, métricas objetivas) de modo a garantir resultados expressivos orienta a ação das pessoas para o comprometimento mínimo.

Diante disso, poderíamos crer que as leis de Ackerman na verdade são insuficientes para explicar os comportamentos humanos. Contudo, não vejo dessa maneira.

Meu entendimento é que as leis, quando entendidas como diretrizes para promover relações interpessoais positivas, poderiam tornar inexistentes as relações “senhor-escravo”. Não há senhores ou escravos. Há líderes e equipes. Por um lado, o líder que deveria ser visto por sua equipe como alguém que respeita seu valor à organização; de outro, a equipe que busca em seu líder a orientação e o franco debate construtivo.

A resposta ao nosso questionamento inicial sobre a gênese do esforço mínimo nas organizações é uma jornada de autoquestionamento e descoberta.

No geral, é preciso desenvolver reflexões muito mais profundas, visando à evolução dessa dinâmica interpessoal. Pudéssemos revisitar nossas motivações de maneira mais franca, compreendendo o modo como as leis de Ackerman influenciam nosso comportamento, poderíamos de fato extinguir, ao menos em alguns contextos honestos e legítimos, a “doença” do esforço mínimo.

Ao oferecermos respeito e consideração às individualidades de todos na pirâmide hierárquica, muitos oferecerão o mesmo de volta. É preciso nutrir a liberdade das crenças, a liberdade de expressão, o sentido de colaboração para um bem maior e o benefício oriundo de conquistas comuns. O resultado será o esforço máximo e os resultados obtidos por todos serão dignos de expressivos elogios.

Evandro Monteiro/Emontcar Fotografias emontcar@gmail.com 11-974008218
*Cássio Pantaleoni é presidente do SAS Brasil/Foto: Emontcar Fotografias