Por Roberto Aylmer*
“... então meu chefe mudou e tudo mudou.”
Essa frase veio de uma das entrevistas da minha pesquisa de doutorado que analisa a entrada de novos funcionários em uma grande empresa pública no Brasil, processo conhecido como socialização ou onboarding. A repetição de casos semelhantes me impressionou porque os funcionários relatavam o quanto suas vidas eram impactadas pelo modelo mental (mindset) do seu chefe. Isso se refletia em sua adaptação ao novo trabalho, na velocidade com que começava a colaborar para os resultados e na sua qualidade de vida, inclusive sua saúde.
Claro que existem elementos do indivíduo, como por exemplo sua proatividade e resiliência, dos seus pares como a receptividade e apoio ou hostilidade e exclusão e o próprio RH, que pode acompanhar e apoiar ou “soltar na arena” e esperar que o novo colaborador se adapte sozinho.
Se o mindset é algo tão imperativo, vale conhecer um pouco mais sobre sua construção e como podemos influenciar seu desenvolvimento ou, ao menos, a ampliação de sua perspectiva introduzindo novos elementos.
Para isso, quero estabelecer os limites entre duas premissas: (a) as pessoas fazem o que fazem porque um dia funcionou e (b) as pessoas mudam quando precisam, e não quando “querem”.
Primeira: as pessoas fazem o que fazem porque um dia funcionou.
Nosso cérebro é o grande consumidor de glicose e oxigênio. Sem um dos dois elementos, ele desacelera até parar e morrer. Por isso, é vital que haja um sistema voltado para a redução do seu consumo. Um deles é a memória. Ela atua em duas frentes: a memória operacional, como a memória RAM do computador e a memória de longo prazo (MLP), como a memória do HD. A MLP registra blocos de conhecimento, comportamentos e reações que podem ser úteis em situações semelhantes no futuro.
Sucesso nos faz arrogantes e isso reduz nossa chance de aprendizado e mudança.
Quanto maior o “sucesso” conquistado e maior a possibilidade de uso no futuro, maior a fixação dos padrões da memória. Então você pode pressupor que, quanto maior o sucesso de uma pessoa em seu papel, maior o apego ao seu estilo de gestão, logo, não é um curso com um consultor sem qualquer poder sobre o líder que vai conseguir “impactar” seu mindset. Às vezes, piora o quadro porque o cérebro também tem um mecanismo para se proteger das mudanças. Quando um estímulo contradiz o mindset, ele pode ser rechaçado (“… isso é besteira!” ou “… isso não funciona aqui.”) ou traduzido para reforçar o mindset (“…adorei o curso, concordo plenamente com tudo o que você falou.”). Em poucas palavras: sucesso nos faz arrogantes e isso reduz nossa chance de aprendizado e mudança. Não é o “envelhecimento do cérebro”, como se pensava, que dificulta pessoas mais velhas a mudarem, e sim sua “longa história de sucesso” que a fixa naquele modus operandi… mesmo quando o mundo à sua volta já mudou completamente.
Isso fica ainda mais complexo quando o assunto é a diretoria ou o conselho de uma empresa. Ali, nos andares de cima, é que a mudança é mais complexa, tanto pela “longa história de sucesso” de cada um, quanto pelos seus interesses pessoais como bônus e promoções.
Então, chegamos à segunda premissa: as pessoas mudam quando precisam e não quando “querem”.
O mundo não pergunta o que você acha. Ele muda com, sem ou apesar de você. Essa lição também é dura para o andar de cima. Mais líderes fracassaram pela falta de humildade do que pela falta de inteligência. É a humildade, do latim humus (aquilo que está no solo, em contato com a terra), que mantém o líder ouvindo e aprendendo, discernindo os sinais dos tempos. Numa linguagem mais atual, com a visão estratégica, que antecipa o futuro.
mesmo modelo que trouxe sucesso no passado, quando cristalizado faz com que o líder não enxergue uma nova forma de decidir e agi
Paradoxalmente, o mesmo modelo que trouxe sucesso no passado, quando cristalizado faz com que o líder não enxergue uma nova forma de decidir e agir. Como disse Mark Twain: “quando o único instrumento que você tem é um martelo, todo problema que aparece você trata como um prego. O que foi um dia remédio, agora é veneno. Passou da dose”.
A desejada transformação organizacional precisa considerar o contexto limitador dos colaboradores e como criar um movimento coletivo de alinhamento e mudanças que não permitam voltar ao patamar anterior.
‘O meu chefe faz o que é bom para a equipe e a empresa ou o que é bom para a promoção e o bônus dele?’ Entender esse tipo de contexto é fundamental.
A Action Research, metodologia que alia o rigor acadêmico da pesquisa e fundamentação teórica consistente (fugindo de modismos de autoajuda) com as intervenções no contexto de trabalho, tem encontrado resultados consistentes. O processo começa com um diagnóstico quantitativo sobre o estágio em que o grupo se encontra e como ele “vê” seu chefe e a empresa.
Por exemplo, “o meu chefe faz o que é bom para a equipe e a empresa ou o que é bom para a promoção e o bônus dele?” Entender esse tipo de contexto é fundamental para as ações de desenvolvimento, porque o desafio aqui não é fortalecer uma competência específica como a capacidade de negociação, mas, sim, identificar o estágio de maturidade moral do gestor para saber se ele vai usar a sua capacidade de negociação para ajudar a empresa ou manipular as pessoas.
A pesquisa qualitativa – que usa sandboxing, toy models ou outros elementos lúdicos – “mostra” com imagens a realidade do dia a dia das equipes operacionais. O choque criado pela relação causal entre as escolhas de um líder e os efeitos nas equipes e na produtividade geram o que Chris Argyris chama de “descongelamento”. O mindset do líder é profundamente desafiado. Agora sim. ele precisa de ajuda para fazer mudanças. Aqui entram as ferramentas gerenciais e os acordos entre gestores. As ferramentas são simples e praticamente óbvias, só que organizadas de uma forma que o gestor deseje colocar em prática. Os acordos são construídos em cima de novas premissas que o grupo entende que vai impactar os resultados, como, por exemplo, o acordo de negociar com o par antes de levar o assunto para o chefe. Isso muda tudo na relação de confiança.
As mudanças começam a ser observadas logo após a primeira intervenção e geram um ciclo virtuoso de confiança, expressão de Rosabeth Moss Kanter, que diz que toda mudança começa primeiro com a restauração da confiança de que o futuro desejado é possível e melhor do que o contexto atual.
Por fim, nossa mente funciona com a perspectiva de futuro. Se o mindset atual é percebido como limitador das opções, o cérebro aceita uma “DR” e começa a ouvir outras vozes a não ser as suas próprias. Usando uma frase de Jack Welch – “se a taxa de mudança interna for menor que a taxa de mudança externa, o fim está próximo” -, considero que a taxa de mudança interna, ou seja, sua taxa de mudança do mindset é a próxima fronteira de pesquisa e ação.