Por Ronaldo Ferreira Júnior*
O dilema não é novo, está nas rodas de discussão há muito mais tempo do que propriamente a diversidade, mas mesmo assim é um dos temas mais polêmicos quando falamos sobre políticas de inclusão. As cotas em concursos públicos e processos seletivos de universidades ainda dão o que falar. Eu mesmo tinha dúvidas e mudei de ideia a partir do momento em que busquei informações a respeito disso. A partir dessa consciência adquirida, entendi que temos que nos posicionar de forma ativa, se queremos realmente influenciar ou mudar a realidade desigual que nos cerca.
Hoje, temos o conforto de poder decidir a partir de dados. Estudos mostram que pessoas que foram incluídas por sistema de cotas em universidades, por exemplo, tiveram notas maiores, melhor aproveitamento e se formaram mais do que as pessoas que, por privilégio natural, tiveram acesso e frequentaram estes mesmos espaços. Cotistas do Insper têm notas superiores em um ponto na média geral. Estudos realizados em instituições como Uneb (Universidade do Estado da Bahia), UnB (Universidade de Brasília) e Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) demonstram que o desempenho acadêmico entre cotistas e não-cotistas é, no mínimo, o mesmo.
Dito isso, e consciente de que somos fortemente influenciados por nossa cultura machista e preconceituosa, é importante esclarecer alguns mitos que atrapalham nosso julgamento.
Incluir é preciso e a política de cotas mostrou-se eficiente.
Primeiro, as cotas não baixam o nível acadêmico de uma universidade, como provado nos dados acima. Segundo, elas não ferem o princípio do mérito acadêmico – nós vivemos em um dos países mais injustos do mundo, onde as oportunidades sociais favorecem as oportunidades educacionais. Terceiro, a sociedade não é contra cotas: pesquisa Ibope em 2017 mostrava que 62% da população brasileira é a favor da iniciativa. Por fim, elas não são prejudiciais aos próprios cotistas por estigmatizarem como incompetentes e não-merecedores; pelo contrário, é visto por estes grupos como uma vitória democrática.
Incluir é preciso e a política de cotas mostrou-se eficiente. Ela comprova que o talento é universal e distribuído de maneira igual e gratuita entre todos. Sem esta consciência, toda a potencialidade dos excluídos se perde devido à falta de oportunidade. Mas, e nas organizações? Como podemos explorar esses bons exemplos das instituições de ensino para mudar o profundo quadro de desigualdade que enfrentamos diariamente no trabalho?
Vivemos uma crise que se alimenta da desigualdade para fortalecer ainda mais os grupos que estão no poder
Levantamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e do Instituto Ethos mostram que os negros representam 54% da população brasileira, mas apenas 6,3% são gerentes e 4,7% ocupam cargos executivos no ambiente corporativo e representam dois terços (66%) da população desempregada no Brasil. São 45 milhões de brasileiros com deficiência (um quarto da população), segundo o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas apenas 0,9% deles trabalham com carteiras assinadas. Isso sem citar a realidade e os desafios relacionados à inclusão de gênero, idosos e jovens.
Vivemos uma crise que se alimenta da desigualdade para fortalecer ainda mais os grupos que estão no poder que, até de forma inconsciente, lutam para não abrir espaço e perder os privilégios que estão acostumados. Culturalmente aprendemos a viver em bolhas. Criamos embaixadas de sucesso isoladas, como se não dependêssemos das comunidades que nos cercam. O desafio, portanto, é romper estas bolhas. Ousar e fazer algo. O primeiro passo dessa jornada é acreditar que não dá mais para continuar assim. Para isso, é preciso ter consciência dos benefícios de uma sociedade mais justa e igualitária.
Cá entre nós, já deu para perceber que este não é um papo sobre marketing. Estamos falando de desenvolvimento e de resultados econômicos para os negócios. Por isso os empresários, executivos e líderes das organizações têm um papel tão importante neste processo de transformação. De fato, as empresas têm o poder de agir de forma coletiva, de propor políticas afirmativas. Juntas, elas podem reduzir essas diferenças.
Precisamos alterar a maneira que analisamos os candidatos.
Portanto, o que sua empresa tem feito para permitir que a diversidade e inclusão aconteçam para gerar oportunidade e legitimar a meritocracia? Quais processos existem? Como você tem usado seu poder de influência para abrir espaço? Quais metas de diversidade e inclusão estão ajudando a estabelecer? A realidade nos mostra que política de cotas é absolutamente necessária. Cota é justiça, não privilégio.
Para construirmos uma realidade futura, em que políticas de cotas não precisarão ser impostas, precisamos mudar os nossos modelos de seleção e contratação. Precisamos alterar a maneira que analisamos os candidatos, tirar o foco das habilidades óbvias e questionar a necessidade de fluência em língua estrangeira ou outras ações. Não se trata de baixar o nível da seleção, mas de distribuição de oportunidades. Quando mudamos o contexto, entendemos que diversidade e inclusão são temas ligados diretamente ao combate à pobreza – e um país mais rico e próspero é o que todos desejam.