ABRH Brasil

Por Deborah Gouveia Abi-Saber*

Em 2008, num discurso de paraninfo para formandos do Kenyon College, David Foster Wallace nos deixou com a emblemática frase: “A única coisa verdadeira, com V maiúsculo, é que vocês precisam decidir conscientemente o que, na vida, tem significado e o que não tem.” Essa perspectiva atravessou uma década e vem galopando até nós.

Em visita recente a uma consultoria de conteúdo, contei do meu mais novo desafio: sair de uma multinacional e seguir para uma startup de criptomoedas. Foi quando ouvi um comentário que ficou ressoando em mim: “Não queremos mais o ‘show me the money’. Agora é ‘show me the meaning'”.

Os fãs de filmes da década de 1990, assim como eu, devem se lembrar de Jerry Maguire: A Grande Virada, que é um daqueles filmes que marcou uma geração. Ele reflete como um trabalho que traz status e alta remuneração também pode proporcionar ausência de propósito, além de mostrar o lado quase perverso do “Show me the money”, não como meio, mas como fim.

Teimosos que somos, essa mesma geração (me incluo nela) foi para o mercado de trabalho, e fomos Jerry Maguire: focamos primeiro em nos erguer financeiramente.

Mesmo com uma alta remuneração, não sentia que era o suficiente para tudo que eu estava abrindo mão ao estar ali.

Lembro quando participei de um processo seletivo para uma grande empresa e um dos sócios me questionou se eu estava pronta para doar os melhores anos da minha vida, pois seria recompensada como em nenhuma outra empresa. A resposta foi “sim”, com a mesma certeza que trabalhei lá por três anos, sem nunca entrar depois das 8h e sair antes das 22h. Show me the money!

E, mesmo com uma alta remuneração, não sentia que era o suficiente para tudo que eu estava abrindo mão ao estar ali. Mas nunca me arrependi, foi a minha melhor escola e me proporcionou grandes amigos. Mas sentia que faltava algo.

Acredito que a questão do propósito chega, de uma forma ou de outra, em momentos diferentes. Tenho uma amiga que saiu de uma empresa com cargo público e voltou para a faculdade, enquanto também atua como consultora independente. Outro amigo saiu de uma consultoria multinacional renomada e foi para uma startup de mobilidade. É cada vez mais comum vermos pessoas com empregos estáveis saindo da zona de conforto e voltando aos estudos, trabalhando por conta própria ou apostando as suas fichas nas ideias inovadoras de uma startup.

Questionamentos nos levam para um patamar de consciência mais amplo.

Essas pessoas normalmente têm em comum o fato de já terem provado suas qualidades em suas áreas, mas em determinado momento surge a pergunta: “E agora?”. Há duas opções: ou permanecemos onde estamos ou podemos nos inquietar e seguir nosso instinto de buscar algo a mais. Ambas opções são válidas, pois é uma questão de perfil, mas nenhuma delas é fácil. Toda decisão envolve uma tomada de risco, e dá medo.

Os questionamentos sobre a decisão podem surgir logo no primeiro dia ruim de trabalho, e se repetem. Mas isso é bom! Questionamentos nos levam para um patamar de consciência mais amplo, mudando a nossa perspectiva de mundo, felicidade e propósito de forma rápida. Os impactos positivos dessa virada de chave são sentidos na sequência.

Atuando hoje em uma startup de criptomoedas, começo a ver isso mais de perto. Há uma grande demanda por profissionais altamente qualificados, que geralmente estão nas grandes empresas. E, como em toda startup, o sonho é grande, o propósito é claro, mas a grana é curta e você terá muito trabalho. Mesmo assim, estamos atraindo excelentes profissionais, pois a maioria é movida pelo nosso propósito: mudar a relação das pessoas com o dinheiro, desafiar o sistema atual e se desafiar. E para isso eles abrem mão de estabilidade, status e do “Show me the money” como fim.

A remuneração coerente com o mercado é importante e não deve ser excluída dessa equação.

Marcelo Madarasz (ex-Natura, atual diretor de RH da Parker Hannifin) disse certa vez em uma palestra, que não precisa ser “uma coisa ou outra, pode ser uma coisa e outra”. Ou seja, a remuneração coerente com o mercado é importante e não deve ser excluída dessa equação.

Acredito que nossa geração hoje começa a ter mais clareza de que ter um propósito no que faz é tão importante como ser remunerado de forma coerente. E esse é o desafio que se apresenta para as startups que precisam continuar a crescer. Por isso, é importante que todo desenho de estrutura seja feito de forma cautelosa e igualmente coerente.

“I couldn’t escape the simple thought that I hated myself, no that’s not it, I hated my place in the world.”. Ou, traduzindo: “Eu não podia escapar da simples ideia de que eu me odiava. Não, não é isso. Eu odiava o meu lugar no mundo”.

Já se sentiu assim? Seja bem-vindo ao “clube”, você é mais um Jerry Maguire! A boa notícia é que não estamos mais em 1996. Esse movimento de busca de sentido já é mais fácil e reconhecido pelo mercado.

Deborah Gouveia Abi-Saber é diretora de RH do Mercado Bitcoin/Foto: Divulgação